Na intimidade da Sagrada Escritura

Por: Teresa Alves

 

Porque devemos conhecer melhor a Bíblia?

Nas Sagradas Escrituras vamos ao encontro do eterno. Elas têm um impacto na nossa vida de fé, pois apresentam o projecto salvífico do Pai para cada um e para todos os homens de todos os tempos.
Talvez a maioria dos cristãos leia a Bíblia para obter um pouco de discernimento ou inspiração para um momento, um pouco de sabedoria para enfrentar a vida de cada dia. Mas, quantos de nós abrimos conscientemente as Sagradas Escrituras para procurar o rosto do próprio Deus?

O Salmista canta:

Ouve, SENHOR, a voz da minha súplica,
tem compaixão de mim e responde-me.
O meu coração murmura por ti,
os meus olhos te procuram;
é a tua face que eu procuro, SENHOR. 1

Muitos séculos mais tarde, uns gregos em peregrinação a Jerusalém pedem ao apóstolo Filipe: “Senhor, nós queremos ver Jesus!” 2 E nós, queremos ver Jesus? Queremos escutar e conhecer a Sua Palavra? O desejo de Deus, a fome de O conhecer, de O amar, de O adorar e de O servir estava muito presente no Antigo Testamento. O relato do chamamento do jovem Samuel 3 é um belo exemplo disso. Num tempo em que o sumo sacerdote Eli, com o passar dos anos, perdera o vigor e a autoridade tornando-se conivente com o pecado, Deus chama Samuel. Este escuta a voz de Deus e quando compreende que está a ser chamado, responde: “Fala, SENHOR, o teu servo escuta!”.
O que aconteceu com Samuel não ocorrerá do mesmo modo na nossa vida. Como compreenderemos, então, aquilo que o Senhor tem para nos dizer? Como poderemos escutar a voz de Deus? A voz de Deus está ao nosso alcance quando escutamos as Sagradas Escrituras na Missa e quando as lemos, rezamos, meditamos e estudamos. Santo Agostinho escreveu: “Por agora, trata a Escritura de Deus como sendo o rosto de Deus; desfaz-te na Sua presença.” 4

A Sagrada Escritura está repleta de referências ao desejo humano de ver o rosto de Deus. De facto, o rosto contém e revela o mistério de uma pessoa. Na carta aos Hebreus, lemos: “Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo.” 5 Jesus é o rosto humano de Deus e o sujeito de toda a Sagrada Escritura. O Antigo Testamento prepara e anuncia a Encarnação de Cristo que é a marca da verdade mais profunda de toda a Criação. A Palavra que ouvimos proclamar na antiga lei e nos escritos dos profetas já não é uma simples leitura, já não é uma descrição de Deus, uma vez que, agora, “o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade.” 6

Todos nós, cristãos, somos encorajados a “aprender a sublime ciência de Jesus Cristo, na leitura frequente das divinas Escrituras” 7. O Catecismo insiste que esta exposição às Sagradas Escrituras é imperativa para o nosso desenvolvimento espiritual e, citando São Jerónimo, acrescenta: “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”. 8

O Papa Bento XVI, referindo-se a Santo Agostinho, escreveu: “Agostinho compreendeu que todo o Antigo Testamento é um caminho a Jesus Cristo. Encontrou assim a chave para compreender a beleza, a profundidade – também filosófica – do Antigo Testamento, percebendo toda a unidade do mistério de Cristo na história.” 9

Por tudo isto, é essencial que cada cristão conheça e mantenha um diálogo pessoal com a Palavra de Deus apresentada na Bíblia, lendo-a em sintonia com a Igreja viva. O contexto mais apropriado para ouvir e celebrar a Palavra de Deus é a liturgia, onde, ao celebrá-la e ao tornar presente o Corpo de Cristo no Sacramento da Eucaristia, podemos actualizar a Palavra de Deus nas nossas vidas.

“Nunca devemos esquecer que a Palavra de Deus transcende os tempos. As opiniões humanas vão e voltam. O que hoje é muito moderno, amanhã será velho. A Palavra de Deus, ao contrário, é Palavra de vida eterna, tem em si a eternidade, ou seja, é válida para sempre. Trazendo em nós a Palavra de Deus, trazemos também em nós o eterno, a vida eterna.” 10 referiu o Papa Bento XVI.

Nas Sagradas Escrituras vamos ao encontro do eterno. Elas têm um impacto na nossa vida de fé, pois apresentam o projecto salvífico do Pai para cada um e para todos os homens de todos os tempos. A Palavra interpela, exorta e incita-nos a seguir na vida como verdadeiros discípulos de Cristo, como em tempos interpelou o profeta Samuel. A Bíblia prepara-nos para acolher a acção regeneradora do Espírito Santo e conduz-nos à comunhão com Deus criando, por isso, laços profundos de fraternidade com os nossos irmãos. “A Palavra de Deus é-nos dada precisamente para construir comunhão, para nos unir na verdade no nosso caminho para Deus. Portanto, ela, mesmo sendo sempre uma palavra pessoal, é, também, uma Palavra que constrói comunidade, que constrói a Igreja.” 11 escreveu o Papa Bento XVI.

Como o Salmista cantava e como S. Paulo escreveu na primeira carta aos Coríntios, a meta de todos os cristãos é podermos ver Deus de modo perfeito, face a face, na eternidade 12. Podemos, porém, desde já, contemplar o rosto de Deus, ainda que de forma imperfeita, através duma participação mais consciente nos Sacramentos e na intimidade da Sagrada Escritura.

“Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, bem ciente de quem o aprendeste. Desde a infância conheces a Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo Jesus. De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa.” 13

1. Salmo 27:7-9
2. João 12:21
3. 1 Samuel 3
4. Sermões 22,7
5. Hebreus 1:1-2
6. João 1,14
7. Catecismo da Igreja Católica, 133
8. Catecismo da Igreja Católica, 133
9. Papa Bento XVI – Audiência Geral, 9 de Janeiro de 2008, Santo Agostinho de Hipona
10. Papa Bento XVI - Audiência Geral, 7 de Novembro 2007, São Jerónimo
11. Papa Bento XVI - Audiência Geral, 7 de Novembro 2007, São Jerónimo
12. 1 Coríntios 13:12
13. 2 Timóteo 3:14-17

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